TABELAS DE DESCOMPRESSÃO E COMPUTADORES PARA MERGULHO – PARTE I
por Paulo Franco em Revista de Marinha n.º 966 (Maio e Junho de 2012)
Nos últimos anos tem sido comum encontrar instrutores de mergulho a falar sobre a decisão tomada pelas principais agências de certificação de mergulho no sentido de progressivamente substituir, nos currículos dos cursos iniciais de mergulho recreativo, as já seculares tabelas de mergulho pelos seus rivais tecnológicos, os computadores de mergulho.
Neste conjunto de crónicas não pretendo tomar qualquer posição no que diz respeito a esta linha de ação por parte das agências internacionais nem defender a utilização de um ou outro método no que diz respeito ao ensino do mergulho, apenas deixar alguns dados que possam ajudar os interessados nestas temáticas a refletir e eventualmente construir uma opinião acerca do assunto.
A principal função das tabelas de descompressão e dos computadores para mergulho é permitir aos mergulhadores saberem os limites de tempo que podem estar a cada profundidade de forma a poderem regressar à superfície em segurança no que diz respeito à ocorrência de uma doença de descompressão, patologia relacionada com a respiração de misturas contendo gases inertes (os mais comuns no mergulho são o azoto e o hélio) que, por ação de um fenómeno explicado pela “Lei de Henry”, se dissolvem nos tecidos mediante a pressão parcial a que são respirados.
As tabelas de descompressão são, fundamentalmente, tabelas de dupla entrada em que se cruzam os valores da profundidade máxima atingida durante um mergulho com o tempo de permanência no fundo, resultando desse cruzamento o nível de saturação dos tecidos no gás inerte que está a ser respirado e, no caso de tabelas para mergulhos que requeiram descompressão (mergulho técnico, militar e comercial) as obrigações descompressivas do mergulhador, nomeadamente as paragens ou patamares de descompressão.
As primeiras tabelas surgem em 1907 pela mão do lendário fisiologista escocês John Scott Haldane que, por encomenda da marinha inglesa, desenvolve as bases da teoria da descompressão conforme a conhecemos. As tabelas desenvolvidas por Haldane vigoraram, com algumas alterações, durante décadas.
As tabelas de descompressão atualmente adotadas baseiam-se em algoritmos e pressupostos que representam a “ponta da lança” do conhecimento científico atual e, ainda que extremamente seguras, nenhuma pode garantir em absoluto a não ocorrência de um acidente de descompressão até porque alguns dos mecanismos fisiológicos envolvidos neste complexo processo não são completamente conhecidos.
Na utilização de uma tabela de mergulho convencional, em que por definição se entra com a profundidade máxima e o tempo de fundo do mergulho, o perfil do mergulho é sempre quadrangular apresentando-se como se o mergulhador estivesse passado todo o mergulho à mesma profundidade, situação que podendo ocorrer com facilidade em mergulho profissional e militar muito raramente ocorre em mergulho recreativo. Assim, embora aumentando a segurança do mergulhador por assumir que durante parte do período da imersão o mergulhador esteve mais fundo do que realmente esteve, torna-se muito penalizadora no que diz respeito às limitações ao tempo de fundo por essa mesma razão.
Perfil de um mergulho à luz da utilização de uma tabela (vermelho - perfil real / azul - perfil da tabela).
O advento da informática e especialmente o aumento da capacidade de processamento aliada à miniaturização, levaram ao surgimento dos computadores de mergulho que, otimizando os perfis de mergulho e aumentando significativamente o conforto dos mergulhadores por permitirem uma postura menos exigente no que diz respeito ao planeamento e aos mergulhos em si, têm vindo a substituir as tabelas, principalmente no âmbito do mergulho recreativo. A este facto também não será certamente estranha a pressão comercial e de marketing efetuada pelas grandes marcas de desenvolvimento deste tipo de tecnologia.
Ainda assim as tabelas continuam a ser vastamente utilizadas, especialmente nas áreas de mergulho tradicionalmente mais conservadoras como é o caso do mergulho militar e comercial.
Figura 2 - Tabela de descompressão com ar para mergulho recreativo da Defence Research and Development Canada (antiga DCIEM).
Paralelamente, na área do mergulho técnico, que tem tomado a liderança no desenvolvimento de diversas componentes da tecnologia e técnica de mergulho, continuam-se a utilizar tabelas como recurso de segurança aos computadores mas, em muitos casos, recorrendo a tabelas feitas “à medida” pelo próprio utilizador por computador para os mergulhos e misturas planeadas.
Figura 3 - Aspeto gráfico de um programa de planeamento de mergulho com personalização do perfil e mistura respiratória, tendo como resultado a geração de uma tabela com patamares de descompressão e trocas de gases (Programa VGM ProPlanner).
Em suma, as tabelas de mergulho, instrumento com mais de cem anos de existência que acompanhou de perto todas as gerações de mergulhadores do último século, está a ser gradualmente substituída pela utilização de computadores de mergulho, mais marcadamente no mergulho recreativo e técnico mas também no mergulho militar e comercial. Ainda que mais segura pela sua interpretação conservadora dos perfis irregulares de mergulho é considerada muito penalizadora por grande parte dos mergulhadores que também preferem os computadores pela facilidade de utilização e independência funcional do utilizador.
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