MISTURAS RESPIRATÓRIAS PARA MERGULHO – PARTE 2 – HELIOX
por Paulo Franco em Revista de Marinha n.º 964 (Janeiro e Fevereiro de 2012)
Depois de na última crónica termos feito uma introdução às misturas gasosas no mergulho, a alguns conceitos de física que nos ajudam a entender os fenómenos fisiológicos envolvidos e termos abordado o NITROX como primeira mistura diferente do ar, nesta crónica proponho-me a falar sobre uma outra mistura utilizada para mergulho, o HELIOX.
Assim como o NITROX é uma combinação de oxigénio e azoto (nitrogen) o HELIOX é uma mistura que substitui o gás inerte azoto por hélio, também inerte. A grande vantagem desta troca é o muito menor efeito narcótico do hélio quando comparado com o azoto, que debilita seriamente a capacidade motora e discernimento dos mergulhadores a partir dos 40 metros.
A primeira pessoa a sugerir que a narcose do azoto poderia ser evitada foi o cientista americano Elihu Thompson, em 1919, sugerindo que se substituísse esse gás por hélio. Nos anos subsequentes a Marinha Americana (US Navy) começou a estudar as potencialidades desta combinação de gases culminando com o mítico mergulho de Max Gene Nohl a 127 metros, em 1937 no lago Michigan. Ainda assim, a primeira aplicação num cenário real do HELIOX surgiu em 1939 com as operações de salvamento ao submarino “USS Squalus” que afundou ao largo de Portsmouth, New Hampshire, Estados Unidos da América (EUA), a uma profundidade de mais de 70 metros permitindo o salvamento dos seus 34 tripulantes e a recuperação do navio, numa enorme operação de salvamento que envolveu 53 mergulhadores que efetuaram mais de 640 mergulhos. Ainda assim, só em meados dos anos 60 é que o HELIOX começou a ser genericamente aplicado no mergulho civil comercial, nomeadamente em mergulho de saturação (tipo de mergulho em que o mergulhador se mantém à pressão da profundidade em que se encontra a trabalhar para não ser sistematicamente sujeito às necessidades de descompressão). A sua chegada ao mergulho recreativo técnico surge cerca de uma década mais tarde.
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Figura 1 - “Patch” do USS Squalus (fonte: http://www.cisatlantic.com/other/squalus.htm) |
No que concerne às vantagens do HELIOX estas resumem-se quase em exclusivo ao seu reduzido efeito narcótico, que permite efetuar mergulhos profundos sem estar sujeito às limitações impostas pela narcose do azoto (conforme abordado na crónica antecedente). Além disso, a menor densidade do hélio reduz a resistência respiratória, o que tem significado quando se mergulha a grandes profundidades. Esta baixa densidade tem, no entanto, um efeito colateral curioso; provoca também alterações na voz dos mergulhadores que soam como o “Donald Duck” requerendo sintetizadores de voz para se poderem estabelecer comunicações eficazes.
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Figura 2 - Mergulhador comercial de saturação (fonte: http://www.gdiving.com/project/198) |
Ao nível da descompressão o hélio é tão ou mais penalizador que o azoto. Devido ao seu baixo peso molecular o hélio entra e sai das células mais rapidamente que o azoto (chamados em gíria efeitos de on-gassing e off-gassing). A baixa solubilidade do hélio, em conjunto com a incapacidade dos tecidos de absorverem hélio da mesma maneira que absorvem azoto, fazem com que a quantidade deste gás dissolvido nos tecidos, mesmo em situações de “super-saturação”, seja inferiores às verificadas com o azoto. De facto, a maior velocidade de absorção e libertação do hélio por parte dos tecidos, que tem notórios benefícios em mergulho de saturação, deixa de ser vantajosa nos restantes mergulhos uma vez que a sua maior velocidade de libertação é grandemente contrabalançada pela sua equivalente maior taxa de absorção.
Outra das desvantagens apontadas ao hélio é a sua condutividade térmica, cerca de seis vezes maior que o azoto, que faz com que os mergulhadores arrefeçam mais depressa através das perdas de calor associadas ao processo respiratório.
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Figura 3 - Mergulhadores militares portuguese com equipamento Carleton Viper Plus de HELIOX (foto autoria de Doug Elsey, Exercico Deep Divex 2011, Halifax, Canada) |
Além das desvantagens indicadas anteriormente a utilização de HELIOX pode causar o chamado Síndrome Nervoso das Altas Pressões ou HPNS (High Pressure Nervous Syndrome) em mergulhos abaixo dos 100 metros. Este efeito, não sendo ainda completamente compreendido, caracteriza-se por provocar tremores que podem ser incapacitantes.
A todos estes fatores soma-se o elevado custo do hélio, um dos gases mais raros e caros, pelo que a utilização de HELIOX se resume, quase em exclusivo, ao mergulho profissional comercial e militar e ao mergulho técnico (ver crónica do autor da RM de Agosto de 2011), sendo cada vez mais substituído pela mistura respiratória TRIMIX, que será tema da terceira e última crónica desta série dedicada às misturas respiratórias para mergulho.
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