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MISTURAS RESPIRATÓRIAS PARA MERGULHO – PARTE 1 – NITROX

por Paulo Franco em Revista de Marinha n.º 963 (Novembro e Dezembro de 2011)

 

Quando tentamos mergulhar, quer seja na nossa banheira de casa quer seja no mar o primeiro obstáculo é a nossa incapacidade de respirar quando temos as vias aéreas submersas. Com a arte e engenho que nos caracterizam encontramos soluções para esta limitação passando a transportar os gases vitais à nossa respiração quando vamos para dentro de água, permitindo-nos permanências mais longas e agradáveis.

Pretendo com esta crónica iniciar um ciclo de artigos que, de uma forma acessível e agradável, desmistifiquem a questão: “o que é que os mergulhadores respiram dentro de água?”

Quando se fala de mergulho entre amigos quantos de nós já não se cruzaram com a expressão “bilha ou garrafa de oxigénio”? De facto, para muitos alunos de cursos iniciais de mergulho, uma das primeiras surpresas é perceberem que a “bilha” afinal não leva oxigénio mas ar atmosférico comprimido. Esta é sem dúvida a mistura mais comum e antiga utilizada no mergulho, pela razão óbvia da sua adequação à respiração e da sua disponibilidade imediata na atmosfera terrestre.

O ar que respiramos e que nos garante a sobrevivência é, grosseiramente falando, composto por aproximadamente 79% de azoto e 21% de oxigénio (não considerando os restantes gases que o compõe em menores quantidades e que, neste âmbito podem ser desprezados). A vida na terra evoluiu a respirar esta mistura de gases pelo que estamos perfeitamente adaptados a esta combinação, sendo o azoto um gás inerte, que significa que não intervém no nosso metabolismo e o oxigénio um dos componentes basilares da respiração celular e consequentemente da vida tal qual a conhecemos.

Neste ponto é importante introduzir um conceito físico que nos permitirá perceber um pouco melhor a questão das misturas gasosas no mergulho, esse conceito é o da pressão parcial (pp). De uma maneira simples a pp de um gás numa mistura é a pressão desse gás se ocupasse todo o volume da mistura, isto é: assumindo que respiramos ao nível do mar ar à pressão de 1 at, as pp do azoto e oxigénio são, respectivamente 0,79 at e 0,21 at (0,79 at + 0,21 at = 1 at). De facto, o que conta quando se fala de toxicidades e efeitos dos gases (excesso ou ausência) no corpo humano, não é a fracção do gás na mistura que se respira que conta mas sim a pp a que o respiramos.

Mergullho com NITROX
Figura 1 - Esquema das misturas de NITROX mais utilizadas: Ar, NITROX 32 e NITROX 36.

Sabemos também que, quando se mergulha, a pressão a que estamos sujeitos é o somatório da pressão atmosférica (peso da atmosfera) com a pressão hidrostática (peso da água), sendo a primeira 1 at (as pequenas variações têm pouca expressão para efeito deste tipo de cálculo tendendo a ser desprezadas) e variando a segunda na razão de 1 at por cada 10 metros de água, como exemplo a 20 metros um mergulhador está sujeito a uma pressão de 3 at (1 at + 2at = 3 at).

Percebendo estas duas ideias, facilmente concluímos que ao mergulharmos vamos respirar diferentes pp dos gases que compõem a nossa mistura, ar ou outra, em função da profundidade a que estamos. Desta combinação, mistura versus pressão advêm alguns dos problemas mais preocupantes com que temos de lidar no mergulho e, consequentemente, a necessidade de procura de soluções para os resolver. Destes problemas destacam-se as doenças de descompressão e a narcose, relacionadas com o azoto, e a toxicidade do oxigénio com este último.

É corrente falar-se sobre a necessidade dos mergulhadores subirem devagar para a superfície ou precisarem de o fazer por etapas. Este fenómeno está relacionado com a absorção do azoto por parte dos tecidos do corpo durante o mergulho que, estando em contacto com uma pp de azoto superior à da superfície, tendem a absorvê-lo procurando o equilíbrio. Ao subir esta tendência para o equilíbrio mantém-se mas desta vez no sentido inverso provocando uma libertação deste azoto que, para não ter consequências fisiológicas graves, deve ser controlada, daí subir-se devagar ou efectuando paragens em função do perfil de mergulho que efectuado.

O outro problema associado ao azoto é a narcose. Este, ao contrário das doenças de descompressão que resultam fundamentalmente de fenómenos físicos, são consequência dum efeito químico narcótico do azoto ao nível do nosso sistema nervoso central semelhante aos associados a uma intoxicação alcoólica e que é proporcional à pp de azoto que respiramos.

Mergullho com NITROX
Figura 2 - Mergulhador utilizando uma mistura de NITROX facilmente identificável pela facha verde e amarela exibida na garrafa, padrão quando da utilização desta mistura respiratória.

Ao perceber esta relação rapidamente surgiu a ideia de reduzir a quantidade de azoto na mistura para ultrapassar estes fenómenos criando-se o que hoje vulgarmente conhecemos por ar enriquecido, EANx (sigla inglesa) ou NITROX. Basicamente o NITROX não é mais que uma combinação de azoto e oxigénio sendo estas quantidades optimizadas em função do mergulho que se pretende efectuar. Com este tipo de mistura, já fortemente divulgada quer ao nível dos mergulhos profissional e militar quer ao nível do mergulho recreativo, é possível reduzir consideravelmente os risco associados à presença do azoto na mistura respiratória sendo uma forma mais segura para mergulhos até aos 40 m de profundidade.

Mas, sendo o azoto inerte, logo não necessário à nossa sobrevivência, e estando associado a todos estes problemas porque é que não respiramos a dita “bilha de oxigénio”?

Mergullho com NITROX
Figura 3 - Marcação da mistura contida numa garrafa de NITROX. Este procedimento é mandatório quando se utilizam misturas diferentes do ar atmosférico como medida de segurança para não se correr o risco de mergulhar com a mistura desadequada.

Bem, como na maioria das coisas na natureza, “não há bela sem senão” e o oxigénio, sendo fundamental à vida, torna-se extremamente tóxico quando respirado a elevadas pp, quer ao nível do sistema nervoso central quer ao nível pulmonar pelo que, também a sua pp tem de ser mantida dentro de limites muito restritos de forma a não provocar acidentes graves no mergulhador.

Assim sendo a utilização de NITROX, embora possa ser utilizada e até recomendado desde os níveis mais baixos de formação ao nível do mergulho, requer formação e treino especial de forma a poder ser utilizado potenciando as suas grandes vantagens mas mantendo margens de segurança adequadas aos riscos associados à toxicidade do oxigénio.

 

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