Doença de Descompressão – Parte 4
Por Paulo Franco em Revista de Marinha n.º 980 (Setembro e Outubro de 2014)
Depois de nas três primeiras crónicas dedicadas à Doença de Descompressão (DD) ter caracterizado a patologia, os seus mecanismos de geração, sinais e sintomas e factores potenciadores, vamos dedicar esta quarta e última crónica sob esta temática à gestão de um cenário de DD.
Vou recorrer à uma mnemónica e alguns dados estatísticos que retirei de um artigo publicado na revista Alert Diver, publicada pela Divers Alert Network (DAN), escrita por Bill Clendenen, que estabelece quatro passo para se actuar em caso de DD e ao qual o autor chama “Os Quatro “R” da gestão da DD”.
Assim sendo, para aumentar a possibilidade de recuperação num quadro de DD devem seguir-se os seguintes passos:
- “Reconhecer” os sintomas;
- “Responder” com administração de oxigénio de emergência (OE);
- “Relatar” aos serviços de emergência médica (SEM);
- “Recomprimir” logo que possível.
Fig. 1 - A administração de Oxigénio de emergência no local e até à chegada dos SEM é um passo crítico para o sucesso na recuperação de um quadro de DD. (Fonte: Foto do autor)
O “Reconhecimento” de um cenário de DD é o primeiro e talvez o passo mais difícil num cenário de DD. Embora muitos mergulhadores reconheçam os sintomas, é comum ocorrerem processos de negação e/ou encobrimento, por vergonha ou para camuflar procedimentos errados e quebras de segurança, dizendo as estatísticas da DAN que aproximadamente 20% dos mergulhadores continuam a mergulhar após se aperceberem que têm sintomas de DD. A maioria destes sintomas surge nos primeiros 20 minutos após o fim do mergulho (embora em casos menos severos possam ser notados mais tarde) de forma que uma correcta avaliação e assunção dos sintomas de DD é o passo decisivo para poder iniciar a sequência de procedimentos adequados para lidar com este quadro clinico.
O passo seguinte é a “Resposta” através da imediata administração de OE. Garantida a eficácia cardio-circulatória, a primeira prioridade num cenário de DD é administrar Oxigénio na mais alta percentagem possível. O Oxigénio vai actuar aumentando a dessaturação tecidular de Azoto, reduzindo tamanho das bolhas alojadas nos tecidos, aumentando a fluidez do sangue, reduzindo edemas e aumentando o aporte de Oxigénio aos tecidos. Num relatório da DAN de 1996 referente aos casos de DD relatados e documentados em 2014, é indicado que 12% dos acidentados de DD a quem foi administrado OE ficaram livres de sintomas antes de ser efectuada a recompressão terapêutica enquanto apenas 3% dos restantes casos verificaram o desaparecimento dos sintomas antes da chegada a uma instalação hiperbárica. Ainda assim, mesmo em situações em que a administração de OE resolva os sintomas, é sempre necessário procurar os SEM.
Fig. 2 - Paciente durante sessão de Oxigenoterapia Hiperbárica. A rápida recompressão terapêutica é critica para a recuperação de acidentados de mergulho com DD. (Fonte: Foto do Autor)
Como terceiro passo surge o “Relatar” a ocorrência aos SEM. Ter estabelecido um plano de emergência por escrito é fundamental para a melhor resolução de acidentes durantes qualquer actividade de mergulho. Este plano deve contemplar a capacidade de entrar em contacto de forma rápida e eficaz com os SEM e de prestar a informação no que diz respeito aos acontecimentos, nomeadamente: a localização da emergência, o contacto do local (por exemplo o número de telemóvel que está a ser utilizado), as circunstâncias da emergência de mergulho, o estado do mergulhador acidentado, que socorro está a ser prestado e qualquer outra informação relevante para a eficácia da acção imediata e subsequente dos SEM.
O quarto e último “R” diz respeito à rápida “Recompressão” do acidentado. A recompressão terapêutica é o tratamento primário para um evento de DD sendo que a sua eficácia está directamente relacionada com a demora na assistência ao paciente num centro hiperbárico. A oxigénoterapia hiperbárica (designação médica para a administração de oxigénio a pressões superiores à atmosférica) vai actuar reduzindo as dimensões das bolhas de Azoto causadoras dos sintomas de DD e aumentando drasticamente o aporte de oxigénio aos tecidos. Sendo que as sequelas de DD estão fundamentalmente relacionas com quadros de hipoxia/anoxia tecidular, a restauração da oxigenação às células afectadas é crítica para a sua sobrevivência e recuperação, sendo particularmente importante nos casos de comprometimento ao nível neurológico.
Fig. 3 - Centro de Medicina Subaquática e Hiperbárica, a funcionar nas instalações do antigo Hospital de Marinha em Lisboa. (Fonte: Foto do Autor)
Assim terminamos esta séria de quatro crónicas dedicadas a uma das mais emblemáticas patologias associadas ao mergulho, a DD, onde definimos e caracterizamos a doença e, nesta última crónica, abordamos os passos críticos para a resolução de uma situação de emergência relacionada com esta patologia intimamente ligada às actividades de mergulho.
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